sábado, 24 de janeiro de 2009

Como aqui chegámos?

É o que apetece perguntar um dia depois da Educação e da avaliação dos professores ter voltado à ordem do dia, após o oportunista projecto do CDS-PP ter sido chumbado. Aliás seria engraçado (se não fosse triste) como a Educação deixou de ser laboratório experimental para passar a ser arma de arremesso político capaz de criar as mais estranhas alianças circunstânciais! A questão assolou-me logo pela manhã quando recebi este comunicado da CONFAP, e acabou por ser o "moto" para este Sábado.

Uma vez mais, um rol de desgraças apocalípticas e de "emergências sociais" são-nos apresentadas como justificação para mais uma atitude de força. Força em oposição à Razão, claro! Tragédias anunciadas a essa multidão anónima que é o povo, com palavras cuidadosamente escolhidas para, primeiro: infligir dor e compaixão; depois: anunciar e prestar tributo à incapacidade e à necessidade; por fim: instigar o medo e o pânico. Sempre no intuito de toldar as mentes e alheá-las da Razão.

O apelo à dor e à compaixão ou o tributo à necessidade e à incapacidade são patentes em palavras e expressões como "ficando os alunos privados do seu direito de se alimentarem" ou a mais aterradora "tendo passado fome» ou como «A alimentação (...) é (...) uma “necessidade social impreterível”» ou ainda "suprir a necessidade de acompanhamento dos seus filhos". Parece até que o país tem apenas orfãos ou provavelmente estamos a falar do Zimbabué! Atentem ainda na ameaça velada e no apelo à força (em deterimento da Razão) na pergunta "Ou será que privar uma criança ao seu direito de se alimentar não é um crime?"

Mas depois, claro, como ainda conservam uma réstia da condição humana à qual não conseguem (ainda) renunciar, arrogam-se eles próprios da sua razão. Mas a razão pela força... Pela força da lei. Uma razão a ser decretada (e interpretada abusivamente) pela força de um tribunal também ele produto de um código moral que nos é imposto há mais de um século: "No acórdão, ficou claro que o Supremo Tribunal Administrativo considera que 'a intervenção do Governo, (...) é justificada por ser essa entidade que deve interpretar e defender a satisfação de necessidades sociais impreteríveis'."

Pior ainda é o retomar da ameaça e o reforçar do terror afirmando que "o Supremo defende que 'embora o direito à greve constitua um direito fundamental, não possui um carácter absoluto, podendo colidir com outros direitos fundamentais'". Por esta ordem de ideias, o estado (essa entidade abstracta e supra humana - normalmente sob o poder de meia duzia de iluminados e longe do escrutínio da Razão que nos assiste - e que institui a seu belo prazer o que é ou o que não é direito fundamental) poderia decretar a proibição de qualquer cidadão se demitir das suas funções ou até de se despedir dos seus empregos.

E quase no fim lê-se que "É o caso do direito constitucional ao ensino". Mas parecem desconhecer que o ensino tem a ver com a Razão e não com a fome. Tem a ver com a capacidade e não com a necessidade. Não a razão pela força, claro está, mas a Razão pelo conhecimento. A Razão que nos impele a agir, a construir e a criar em liberdade ou a Razão que nos dá o direito de decidir não o fazer desde que estejamos dispostos a abdicar do producto dessa criação sem pedir nada a ninguém. Afinal, a Razão que nos deveria fazer optar por prestar tributo à virtude e capacidade humana e não a enaltecer e as suas fragilidades, incapacidades ou necessidades.

Num comunicado em que se faz a apologia da fome, da incapacidade e da desgraça procura-se não apenas a chancela da razão, mas também o controlo e influência na chave para a razoabilidade: o ensino.

Em relação à avaliação de professores não me alongo muito, deixando apenas a nota de que o que defendo para a educação (nesta sua pequena parte) está patente no texto desta petição.

Quanto às greves dos professores um sentimento tenho de libertar: Em greve permanente têm os professores estado nas últimas décadas. Finalmente começaram a ser professores e a lutar pelo ensino. Aquele ensino que faz a apologia da Razão e do conhecimento como a maior virtude do Homem e que lhe permitirá matar a fome através da capacidade para pensar e construir e não apregoando a desgraça ou instigando o medo.

Bom, pelo menos a maior parte. É que também hoje encontrei esta pérola de um professor em que a certa altura se pode ler "(...)E por favor não baseie a sua resposta na falácia das expectativas racionais(...)". Fiquei banzado. É que isto é algo que não se espera ouvir de um Professor. Irei ler mais atentamente o ensaio, e oportunamente lá voltarei.

5 comentários:

  1. Apoio totalmente o motto deste blog: "Se falta o pão é porque a montante alguém perdeu a razão"
    Finalmente, eis alguém que coloca o "verbo" antes da "verba" mas que sabe que os dois estão ligados.
    um abraço de camaradagem

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  2. É certo que a Razão, tal como a Democracia, nem sempre funciona, mas ainda é o melhor guia de conduta humana que se conhece. No entanto, terá sido Unamuno que afirmou que o homem é um racional a conta-gotas, pelo que também é perigoso contar abertamente com a racionalidade alheia, individual ou colectiva que seja.
    Sou professor e concordo em absoluto com a sua afirmação de que tenho estado em greve, porque, efectivamente, não é aceitável, tendo em conta o estado a que chegou a Educação, continuar apenas - o que não é pouco - a preparar e dar aulas.
    Assinei a petição, embora pense que a escola, mais do que prestar contas à comunidade, deve ser uma comunidade o mais autónoma possível e independente relativamente a muitos interesses demasiados utilitários e imediatistas.
    Fica convidado a aparecer em http://osdiasdopisco.blog.pt/

    Cumprimentos

    Fernando Nabais

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  3. O perigo maior é considerar a irracionalidade alheia como argumento para a substituirmos. Aliás, o código moral actualmente em vigor usa esse mesmo argumento para condicionar a liberdade dos homens.

    Em boa verdade, a racionalidade a conta gotas é apenas permitida pela própria admissão da sua existência. Se a recusarmos (ou não a permitirmos) todos serão forçados a adoptar a racionalidade continuamente porque, em liberdade e sem medidas preventivas e condicionalismos artificiais, pagarão caro se assim não for.

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  4. adenda: volte sempre, pois por aqui valoriza-se o conhecimento.
    Eu tb lá irei ao pisco.

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