quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Alucinados por decreto

Acham que isto está mau? Então esperem para ver o que aí vem:

O grupo chama à sua versão de capital contingente "títulos híbridos regulatórios". A ideia é simples: os bancos devem ser pressionados no sentido de emitirem um novo tipo de dívida que se converta automaticamente em capital próprio se as entidades reguladoras determinarem que se está perante uma crise financeira nacional sistémica e se o banco estiver simultaneamente a violar as disposições em matéria de solvabilidade previstas no contrato dos títulos híbridos.

E se dúvidas houvesse sobre a natureza da ... ideia, esclarecidos ficam desde já:

Os títulos híbridos regulatórios teriam todas as vantagens da dívida em tempos normais. No entanto, nos períodos mais adversos, quando é importante que os bancos continuem a conceder empréstimos, o capital dos bancos seria automaticamente aumentado através desta conversão da dívida em capital próprio. Os títulos híbridos regulatórios são, assim, concebidos para lidarem com a própria fonte da instabilidade sistémica que a actual crise pôs em relevo.

E para memória futura, para quando vierem afirmar que a culpa é da desregulamentação, aqui fica:

Esta proposta atribui também um papel específico ao Estado, que deverá incentivar a emissão dos títulos híbridos regulatórios, pois só assim é que os bancos o farão. Estes títulos aumentariam os custos de capital para os bancos (porque os credores teriam de ser compensados pelo mecanismo de conversão), ao passo que os bancos prefeririam contar com o seu estatuto de instituição "demasiado grande para falir" e com os planos de resgate futuro por parte do Estado em caso de necessidade. Assim, será preciso aplicar uma penalização ou atribuir um subsídio para incentivar os bancos a emitirem títulos híbridos regulatórios.

Não gostas da realidade? Acaba com ela. A realidade é apenas o que reconhecemos enquanto tal... Certo???

Já sabem da ideia, conheçam o idiota

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

A Viagem

Ele havia chegado mais cedo que o normal com um estrondoso ramo de flores, que jaziam agora no centro da mesa, como uma linha de fronteira entre ambos. Tudo se tinha passado neste dia como ela havia desejado. Ele levantou-se cedo e preparou o pequeno almoço que lhe deixara na mesinha de cabeceira com um cartão. Saira para o trabalho e fizera uma reserva para essa noite de forma a assinalar o dia. Agora, chegado o momento que exigira, ela não conseguia perceber o que estava errado e procurava desesperadamente uma forma de enquadrar os sentimentos no contexto. Sentiu-se aliviada quando o empregado se abeirou da mesa com a ementa para anotar o pedido - uma trégua na batalha que travava consigo mesma.

"Que vais querer?" perguntou ele, obrigando-a a fitar os seus olhos pela primeira vez desde que se haviam sentado naquela mesa.

"E tu?" respondeu, não como uma simples pergunta mas como quem lança um desafio.

"Tanto faz. Escolhe tu, que eu como o mesmo." rematou desinteressado.

Ela escolheu o primeiro prato da lista, não por uma qualquer preferência mas porque não se sentia com forças para ler o resto ou, talvez, porque num acesso de coragem repentino, desejava acabar com aquela trégua o mais rapidamente possível e voltar ao íntimo do seu campo de batalha.

Era sexta-feira e, há precisamente uma semana, ela tinha ficado a saber que hoje não estariam juntos. Ele estaria fora, numa oportunidade de viagem há muito desejada que lhe havia sido proporcionada para esta altura. Ela ficara a saber nesse mesmo dia e, contra todas as expectativas, conseguira expressar um tímido e nada sincero "fico contente por ti".

À medida que este dia se aproximava ela assistiu aos preparativos, escutou os telefonemas, presenciou as combinações e conversas intermináveis referentes à viagem que o esperava; e habituou-se a vê-lo numa aura de alegria despreocupada. Sem que ela se apercebesse, as palavras que diariamente trocavam foram diminuindo. No espaço de apenas três dias as discussões brotavam pelo pormenor mais insignificante e multiplicavam-se pelos minutos das horas que passavam juntos.

Três dias foi quanto levou para que ela se tivesse arrependido daquele tímido e falso "fico contente por ti" com que recebera a notícia. Desde segunda-feira, passara os dias a imaginar formas de lhe dizer o que verdadeiramente sentia. Queria - precisava - desesperadamente de apagar aquela falsidade proferida e confessar-lhe a verdade intestina que a consumia a cada segundo de cada minuto de todas as horas de cada um dos últimos três dias.

Nessa noite ele chegou de telefone em punho e pousou a mala à entrada do corredor. Seguiu para o quarto onde trocou os sapatos pelos chinelos que ela lhe havia oferecido no 5º aniversário de casamento, havia precisamente um ano e 4 dias. Passou pela cozinha onde lhe dirigiu um aceno terno e dirigiu-se para a sala de refeições para, como habitualmente, colocar a mesa para o jantar. "Chegamos na 6ª à noite... as reservas estão tratadas... do aeroporto ao hotel são uns minutos de táxi..." ia dizendo alegremente despreocupado, enquanto punha a mesa.

"Vais na sexta?" atirou ela, procurando parecer despreocupada.

"Sim, já te tinha dito."

"Ah! Pensei que fosses só sábado" mentiu. "não imaginei que não estivesses cá no nosso aniversário!"

"Desculpa" atirou ele, da forma mais sincera que ela jamais lhe tinha ouvido.

"Desculpa?!" disse indignada "desculpa pede-se quando se chega atrasado ou quando se pisa alguém no comboio, não quando se toma uma decisão consciente. Se até aqui pensei que nem te havias lembrado, esse «desculpa» dito dessa forma, lá do alto, só me diz que te lembraste, sabias e tomaste uma decisão"

"Que querias que dissesse ou que fizesse?" disse ele, sem sequer entender o que ela pretendia "não queres que vá? ficas feliz se eu não for?" perguntou.

"Acho que não deves ir. Acho que é uma falta de respeito e de consideração nem sequer colocares a hipótese de não ires ou de me levares contigo. Acho uma tremenda obscenidade a facilidade com que ignorámos até agora a questão do nosso aniversário e dessa viagem coincidirem na mesma altura. Acho uma tremenda aberração o facto de quereres continuar a ignorar esse facto"

"Desculpa, mais uma vez" disse, visivelmente desorientado.

"Vai à merda. Se não tens mais nada para dizer, vai à merda... e à merda da viagem" atirou ela, por entre soluços de raiva e mágoa, levantando-se da mesa e dirigindo-se para o quarto donde não mais saiu nessa noite.

Os restantes dias foram de um silêncio reciproco: dela para lhe recordar a exigência de uma escolha; dele por não saber o que dizer ou que escolha fazer.

Fora ontem, quinta-feira, que ele lhe dissera que havia cancelado a viagem na véspera. Ela sentiu um estranho arrepio na espinha, que tomou por uma reacção de felicidade pela escolha que ele havia feito. Esta manhã ela havia tomado o pequeno almoço que ele lhe deixara na mesinha de cabeceira. Fora ainda no confortável aconchego dos lençois que lera o cartão que acompanhava o tabuleiro: "Hoje venho mais cedo, está pronta para sair às 19h00, beijos." Ela experimentou novamente a sensação daquele estranho arrepio na espinha, que tomou por uma reacção à surpresa que a esperaria nessa noite.

"Não comes?" perguntou ele, fazendo-a notar que o empregado já havia servido a refeição.

Ela abriu nova trégua na batalha que travava, serviu-se duma garfada e perguntou: "Estás feliz por estar aqui?"

"Claro minha querida, feliz aniversário" disse, ao mesmo tempo que levantava o copo e lhe propunha um brinde.

Ela levantou o copo de encontro ao dele fazendo com que se tocassem levemente e emitissem uma pequena vibração que ela sentiu apoderar-se dos seus dedos, da sua mão e, lentamente, de todo o seu corpo, revelando-lhe a natureza dos arrepios que sentira na vespera e nessa manhã. Um sentimento de terror apoderou-se de toda a sua mente.

Ela exigira e influenciara uma decisão e ao fazê-lo, retirou-lhe todo o valor. A uma decisão vazia quantas não se seguirão? A que preço? Como poderá saber e distinguir umas de outras? Como poderá ela, a partir de agora, distinguir entre um sacrifício e uma vontade genuína?

Ela não sabia, ainda não podia saber, que era uma verdadeira egoísta. Não sabia, ainda não podia saber, que a mais sedutora forma de ser amado é sê-lo por um verdadeiro egoísta. Este dará a quem verdadeiramente ama o melhor que tem: dar-se-á a si próprio. Um verdadeiro egoísta jamais se contentará com algo que não tenha merecido. Dar-se-á sem sacrifício, por interesse próprio e não se contentará com sacrifícios feitos em seu nome, mas apenas com uma vontade genuína de entrega.

Ela percebeu finalmente que nunca desejou que ele ficasse. Nunca desejou que ele não fosse. O que não a deixava respirar e viver era, na verdade, o desejo sufucante de que ele nunca tivesse desejado partir.

Um estrondo fê-la recompôr-se. O copo caira-lhe por entre os dedos e o seu conteúdo regava agora as flores no centro da mesa. Ela podia ver - ou imaginar - as flores a crescerem espontâneamente. Aquela linha de fronteira entre ambos crescia agora diante dela e a olhos vistos.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Recursos naturais

Para nós, [a liberdade de imprensa] corresponde ao poder dos jornalistas, e só deles, decidirem o que escrevem nos jornais onde trabalham, com garantias de autonomia face ao poder político, sim, mas também económico. E a um verdadeiro pluralismo político que não se limite ao centrão ideológico.

Segundo Daniel Oliveira, João Rodrigues, Pedro Sales, Pedro Vieira, Rui Bebiano e Sérgio Lavos, os jornais crescem nas arvores.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Duelo literário

Aproveitei a tarde de hoje para espreitar a Feira do Livro Antigo e do Alfarrábio no Mercado da Ribeira, por onde também passou - porque o vi - Paulo Branco, quiçá procurando fontes para futuras produções.

Na generalidade, uma boa exposição literária. A minha mais nova (6 anos) apareceu com um livro de dinossauros todo artilhado e, não por coincidência, dos mais caros. Daqueles livros em que uma imagem da besta é sobreposta pelo desenho do seu esqueleto numa folha de acetato e, entre ambas, uma simples folha branca. A pequena puxava a folha para fora e via o dinossauro no seu ambiente. Empurrava para dentro e, vendo apenas o esqueleto, exclamava contente: "Olha Pai: magia!!!"

Quando lhe mostrei a folha de acetato separada do desenho das bestas, explicando como a coisa funcionava, exclamou com toda a indignação que os seus 6 anos lhe podiam permitir: "Oh, estão-nos a enganar!". E lá foi toda lampeira, para alívio da carteira familiar, buscar um livro sério e sem excentricidades no preço.

Como feira de livros antigos, o que nos lá levara, não se pode dizer grande coisa: nada de grandes raridades e umas quantas (poucas) curiosidades históricas. Encontrei, isso sim, algo de que gosto particularmente: livros usados. Usados e não livros em 2ª mão. Se há coisa que detesto são livros que ninguem lê, ou que ninguem usou. Para isso prefiro novos. Usado é isso mesmo: lido, manuseado, marcado, sublinhado, anotado, rabiscado e outras coisas acabadas em "ado" que possam transmitir a sensação de que alguém, uma mente humana, dali retirou algo.

Adquiri 2 reliquias por 3 e 2 euros respectivamente: "A situação das ciências do homem no sistema das ciências" de Jean Piaget e "A brief History of Time" do físico teórico Stephen W. Hawking. Nada de especial pela edição em si mas que me chamaram a atenção pelas passagens fortemente marcadas a tinta pelos seus anteriores proprietários.

Das palavras de Stephen Hawking, a mente que o leu anteriormente destacou, a feltro cor-de-rosa, as seguintes passagens (traduzidas do inglês):

O sucesso das teorias científicas, em particular Newton e a gravidade, levou o francês Marquis de Laplace a defender, no inicio do sec. XIX, que o universo era completamente determinista. Laplace sugeriu que deveria haver um conjunto de leis científicas que possibilitassem prever tudo o que pudesse acontecer no universo.(...) Se soubermos a posição e a velocidade do sol e dos planetas num dado momento, podemos usar as leis de Newton para calcular o estado do sistema solar no futuro. PArece obvio neste caso, mas Laplace foi mais longe e assumiu que haveria leis a reger tudo o resto, incluindo o comportamento humano.

(...) As implicações [da teoria quântica] no determinismo só foram compreendidas em 1926, quando o alemão Werner Heisenberg formulou o seu famoso príncipio da incerteza.(...) para prever a futura posição e velocidade de uma partícula, temos de medir o sua actual posição e velocidade de forma exacta. A maneira de o fazer é incidir luz sobre a partícula (...) Contudo, segundo a teoria quântica, teremos de usar pelo menos um quantum de luz (...) que irá afectar a partícula e alterar a sua posição e velocidade de forma imprevisível(...)

O principio da incerteza de Heisenberg é uma propriedade fundamental e inevitável do universo

Aplicando o príncipio da "Razão de Occam", Heisenber, Erwin Schrodinger e Paul Dirac reformularam a mecânica numa nova teoria, baseada no principio da incerteza: a mecânica quântica.

Com efeito, [a mecânica quântica] tem sido um estrondoso sucesso e está na base de quase toda a ciência e tecnologia moderna

Na página 78 da relíquia Jean Piaget, uma outra mente sublinhou vincadamente a esferográfica vermelha o seguinte (no contexto da descentração no método científico):

(...) a descentração consiste já em não partir do pensamento individual como fonte das realidades colectivas, mas em ver no indivíduo o produto duma socialização.

Comparando, do mesmo modo, os desenvolvimentos multiplos da macroeconomia nos começos da ciência económica, com Adam Smith ou Rousseau, ficamos espantados com a descentração que se efectuou a partir desta abstração que era o homo economicus, imagem do individuo em certas situações sociais restrictas e muito especializadas: tanto na doutrina marxista da alienação, como nas análises probabilísticas e estatísticas de Keynes ou da econometria moderna é impossível não encontrar esta dimensão fundamental da descentração comparatista

Curiosa resposta foi dada pela mão que empunhou aquele feltro cor-de-rosa que, na página 73 da obra de Stephen Hawking sublinhou:

Poderá haver anti-mundos e anti-pessoas, totalmento compostos por anti-particulas. Contudo, se algumas vez encontrar o seu anti-eu não lhe aperte a mão.

Apetece-me gritar como a minha pequena: "Oh! Estão-nos a querer enganar". Vai ser curioso analisar as diferentes ideias que cada mente retirou de cada livro que leu. Estes dois serão, sem duvida, lidos em parelha. Com especial curiosidade e interesse naquele feltro cor-de-rosa...

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

A licção de Chavez

A discussão tem, ultimamente, aparecido de forma regular. Quando a realidade aperta, e os delirios e delirantes são confrontados com a dura natureza e com a forma das coisas, a discussão aquece.

Muito se tem falado da moeda unica e da sua manutenção, da coesão interna da UE, económica e política - de que serve afinal uma união desunida pela adversidade? - num quadro de medidas que são, afinal e meramente, os típicos intevencionismos solidificados durante todo um século. Ninguém ousa pensar fora da pequena caixa de areia do recreio em que se transformaram a sociedades contemporâneas.

Em Novembro passado, o diário espanhol "El País" refletia sobre esse mesmo recreio, num artigo intitulado: "é possivel uma desvalorização interna?". A crua natureza objectiva da realidade, a que se vive fora da caixinha de areia, faz-nos sentir a concreta e inevitável desvalorização. Dentro da caixa, prostitutas e proxenetas equacionam as várias possibilidades de, manobrando uma massa de marionetas, articularem e/ou contrariarem a própria realidade.

Atados e amordaçados pela moeda unica, conjecturam soluções para "una devaluación interna que tuviera unos efectos similares a la tradicional "vía bajada de precios, sueldos y salarios"". Mas nesta caixinha, a "bajada" lê-se afinal "Los salarios españoles deberían crecer durante muchos años por debajo de la zona euro" - No coments...

Qual tubo de ensaio, as propostas de experiência na caixinha variam desde "una deflación del 20% de precios y salarios", passando por "una bajada de cinco puntos en las cotizaciones sociales y una subida de dos en el IVA" - que tipo de "bajada"? - ou ainda "reducir nuestros costes, no sólo el salarial; sino los energéticos, los de las infraestructuras...". Ninguém parece estar farto de tanta marioneta e de tanto cordelinho.

Chavez dispensou as prostitutas. Com uma mestria inacessível a aprendizes e aspirantes a proxenetas, passou à acção dispensando os preliminares. No nosso lado da caixinha, ainda que a medo e paulatinamente, vai-se também afirmando, em relação á desvalorização por decreto que "Dada nuestra situación económica, es la mejor opción a corto plazo para ganar competitividad pues hace todo el trabajo de una vez, y tiene menos efectos secundarios que otras opciones" - que "efeitos secundários" eu nem pergunto...

Neste lamentável quadro de opções, e admitindo a inexistência de um mundo livre, duma realidade natural e objectiva, negando a justiça dos direitos naturais de cada individuo e alinhando com essa corja de parasitas intelectuais que proclamam a inevitabilidade de uma sociedade canibal, podemos minimamente dizer que: louco por louco, antes os que se assumem.