domingo, 7 de fevereiro de 2010

Duelo literário

Aproveitei a tarde de hoje para espreitar a Feira do Livro Antigo e do Alfarrábio no Mercado da Ribeira, por onde também passou - porque o vi - Paulo Branco, quiçá procurando fontes para futuras produções.

Na generalidade, uma boa exposição literária. A minha mais nova (6 anos) apareceu com um livro de dinossauros todo artilhado e, não por coincidência, dos mais caros. Daqueles livros em que uma imagem da besta é sobreposta pelo desenho do seu esqueleto numa folha de acetato e, entre ambas, uma simples folha branca. A pequena puxava a folha para fora e via o dinossauro no seu ambiente. Empurrava para dentro e, vendo apenas o esqueleto, exclamava contente: "Olha Pai: magia!!!"

Quando lhe mostrei a folha de acetato separada do desenho das bestas, explicando como a coisa funcionava, exclamou com toda a indignação que os seus 6 anos lhe podiam permitir: "Oh, estão-nos a enganar!". E lá foi toda lampeira, para alívio da carteira familiar, buscar um livro sério e sem excentricidades no preço.

Como feira de livros antigos, o que nos lá levara, não se pode dizer grande coisa: nada de grandes raridades e umas quantas (poucas) curiosidades históricas. Encontrei, isso sim, algo de que gosto particularmente: livros usados. Usados e não livros em 2ª mão. Se há coisa que detesto são livros que ninguem lê, ou que ninguem usou. Para isso prefiro novos. Usado é isso mesmo: lido, manuseado, marcado, sublinhado, anotado, rabiscado e outras coisas acabadas em "ado" que possam transmitir a sensação de que alguém, uma mente humana, dali retirou algo.

Adquiri 2 reliquias por 3 e 2 euros respectivamente: "A situação das ciências do homem no sistema das ciências" de Jean Piaget e "A brief History of Time" do físico teórico Stephen W. Hawking. Nada de especial pela edição em si mas que me chamaram a atenção pelas passagens fortemente marcadas a tinta pelos seus anteriores proprietários.

Das palavras de Stephen Hawking, a mente que o leu anteriormente destacou, a feltro cor-de-rosa, as seguintes passagens (traduzidas do inglês):

O sucesso das teorias científicas, em particular Newton e a gravidade, levou o francês Marquis de Laplace a defender, no inicio do sec. XIX, que o universo era completamente determinista. Laplace sugeriu que deveria haver um conjunto de leis científicas que possibilitassem prever tudo o que pudesse acontecer no universo.(...) Se soubermos a posição e a velocidade do sol e dos planetas num dado momento, podemos usar as leis de Newton para calcular o estado do sistema solar no futuro. PArece obvio neste caso, mas Laplace foi mais longe e assumiu que haveria leis a reger tudo o resto, incluindo o comportamento humano.

(...) As implicações [da teoria quântica] no determinismo só foram compreendidas em 1926, quando o alemão Werner Heisenberg formulou o seu famoso príncipio da incerteza.(...) para prever a futura posição e velocidade de uma partícula, temos de medir o sua actual posição e velocidade de forma exacta. A maneira de o fazer é incidir luz sobre a partícula (...) Contudo, segundo a teoria quântica, teremos de usar pelo menos um quantum de luz (...) que irá afectar a partícula e alterar a sua posição e velocidade de forma imprevisível(...)

O principio da incerteza de Heisenberg é uma propriedade fundamental e inevitável do universo

Aplicando o príncipio da "Razão de Occam", Heisenber, Erwin Schrodinger e Paul Dirac reformularam a mecânica numa nova teoria, baseada no principio da incerteza: a mecânica quântica.

Com efeito, [a mecânica quântica] tem sido um estrondoso sucesso e está na base de quase toda a ciência e tecnologia moderna

Na página 78 da relíquia Jean Piaget, uma outra mente sublinhou vincadamente a esferográfica vermelha o seguinte (no contexto da descentração no método científico):

(...) a descentração consiste já em não partir do pensamento individual como fonte das realidades colectivas, mas em ver no indivíduo o produto duma socialização.

Comparando, do mesmo modo, os desenvolvimentos multiplos da macroeconomia nos começos da ciência económica, com Adam Smith ou Rousseau, ficamos espantados com a descentração que se efectuou a partir desta abstração que era o homo economicus, imagem do individuo em certas situações sociais restrictas e muito especializadas: tanto na doutrina marxista da alienação, como nas análises probabilísticas e estatísticas de Keynes ou da econometria moderna é impossível não encontrar esta dimensão fundamental da descentração comparatista

Curiosa resposta foi dada pela mão que empunhou aquele feltro cor-de-rosa que, na página 73 da obra de Stephen Hawking sublinhou:

Poderá haver anti-mundos e anti-pessoas, totalmento compostos por anti-particulas. Contudo, se algumas vez encontrar o seu anti-eu não lhe aperte a mão.

Apetece-me gritar como a minha pequena: "Oh! Estão-nos a querer enganar". Vai ser curioso analisar as diferentes ideias que cada mente retirou de cada livro que leu. Estes dois serão, sem duvida, lidos em parelha. Com especial curiosidade e interesse naquele feltro cor-de-rosa...

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