terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

A culpabilidade das vítimas

"Professores utilizam alunos na luta política" era o título sugestivo do comunicado da CONFAP que recebi hoje. Parecia prometedor mas... afinal referia-se apenas à decisão tomada por 143 professores e educadores de Paredes de Coura de cancelar a "quase totalidade das actividades previstas para este ano lectivo que envolvam a comunidade ou que impliquem qualquer deslocação", e à indignada reacção da Associação de Pais do agrupamento.

Os professores de Paredes de Coura causaram tamanha reacção, não pelo seu autruismo quando iniciaram estes projectos, mas sim quando decidiram acabar com a injustiça a que eles próprios se tinham sujeitado. Estes homens e mulheres decidiram terminar com horas de trabalho não reconhecido, com o trabalho extraordinário necessário para compensar o tempo destas actividades, com despesas não reembolsadas, com uma função social que desempenham gratuitamente porque não há meios nas escolas. Estes homens e mulheres decidiram romper com aquilo a que se haviam comprometido nos últimos anos e que consistia em “algo a troco de nada”. Passaram a exigir o seu direito de ver reconhecido (e pago) o trabalho e esforço que desenvolvem e, só por isso, chamaram a atenção sobre si.

Mas ao invés de chamarem a atenção dos justos, provocaram antes a indignação das almas que eles próprios ajudaram a produzir. Estes são os pais que a sociedade do “algo em troca de nada” produz. Uma sociedade que reivindica direitos adquiridos no berço sem se preocupar com quem paga; que proclama a necessidade de obter e ignora a habilidade de criar; que acredita que o consumo é que gera produção ou que a desgraça é a maior virtude e que o sucesso o pior defeito.

Uma sociedade e uns pais que, depois de acarinhados “à borla” e à custa do trabalho de outros, se viram para os (supostos) benfeitores em vez de denunciarem as injustiças, é uma sociedade e são uns pais que não têm futuro. Os seus filhos exigirão ainda mais e estarão dispostos a contribuir ainda menos.

Este tipo de austruísmo instala a injustiça, normaliza o “algo em troca de nada” e transforma o “bem comum” em prejuizos individuais. Promove o direito sem dever, o consumo sem produção, a riqueza sem esforço. Promove uma sociedade canibal que maltrata e enxovalha os autruístas quando estes nada mais têm para dar, porque a dádiva se torna a norma, e a sua falta implica infracção.

Numa sociedade justa, o “bem comum” é – e tem de ser – a soma de todos os bens individuais, um bem comum perfeitamente indentificável e objectivamente quantificável. Uma sociedade justa terá de retribuir e reconheçer os que para ela contribuem e a estes prestará homenagem. O bem individual de cada um será a recompensa pela sua contribuição para a sociedade que necessita do que cada individuo lhe disponibiliza. Essa será a sociedade livre e justa, em que todos beneficiam do trabalho de cada um, e em que ninguém vive para ninguém nem às custas de ninguém. O contrário não só promove a miséria, como a termo transformará os mais capazes em miseráveis, porquanto esse será o código moral pelo qual serão recompensados.

A Razão, a mente e inteligência são ferramentas poderosas que garantem ao Homem a sua sobrevivência. As escolas e os Professores são recursos valiosíssimos de qualquer sociedade. Quando eles próprios se valorizarem dessa forma, e se fizerem recompensar nessa medida, a injustiça deixará de ser possível.

Na injustiça intervêem os “predadores” e as “vítimas”. Os primeiros defendem-na no seu próprio interesse. Os segundos possibilitam-na ao abrigo de um código moral contra natura, que lhes é apregoado pelos primeiros. Eduquem-se as mentes e não haverá vítimas. Acabem-se com as vítimas e não haverá injustiça. Os “predadores” não terão outro remédio senão virar-se uns contra os outros.

7 comentários:

  1. Já tardava o papel de vítima.

    Porque é que não tiveram esta atitude antes de aprovarem o Plano de Actividades e agora, à revelia de todos decidiram não cumprir aquilo que eles próprios aceitaram fazer?

    Não sejamos inocentes nem façam de nós burros...

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  2. Bem pelo contrário meu caro Oliveira. Este texto (até pelo título) denuncia e recusa qualquer chance de que os professores se vitimizem. Pensei que o texto não deixava margem para dúvidas excepto, claro, se alguém imaginar que estou a usar ironia e/ou que sou professor.

    Nem uma, nem a outra. Quando recorro a ironia, tendo até a exagerar dado procurar que se note bem o tom. E não sou professor (e dificilmente o seria. Os professores estão mal pagos e muito limitados no treino das mentes.

    Quem se dê ao trabalho de ler o que já escrevi sobre a matéria (basta ver o post anterior a este e seguir os links) saberá o quão sério falo. Saberá a minha posição em matéria de educação. Uma posição que me tem valido críticas de ambos os lados - e que falham em demonstrar que eu esteja errado.

    A forma mais simples e telegráfica de o expressar é dizer que estou contra esta avaliação pelas razões certas, enquanto muitos estão contra pelas razões erradas; da mesma forma que a maior parte das pessoas que defendem esta avaliação (que não os políticos) fazem um raciocínio correcto mas tiram as conclusões contrárias a esse mesmo raciocínio.

    Isso é para outro debate. O que é importante neste texto é que se algum responsável existe, são os professores. Quando alguém permite, deseja ou promove a troca do seu trabalho por "nada" está, pelas suas próprias mão e não outras, a desvalorizar esse mesmo trabalho. Não há ninguém mais responsável do que quem o faça, e seria injusto que os próprios apontassem a outros as suas próprias falhas.

    A pergunta que o Oliveira faz, é precisamente o pecado capital dos professores. è o que não lhes permite arrogarem-se de vítimas. É algo que terão de suportar e pagar se, quando e como quiserem inverter o sentido do que é ser professor.

    PS: Quando falo de professores, eu refiro-me a Professores. Infelizmente, nas últimas décadas neste país, muitos docentes acederam à carreira sem serem professores. Alguns (poucos) até se tornaram realmente professores, outros nem por isso. Uma verdadeira avaliação também teria de abordar e solucionar este problema.

    Obg pelo comentário e volte sempre.

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  3. Caro MC

    Os professores são mal pagos tem que se lhe diga.

    Os professores são mal pagos no início da carreira, sim, dão muitas aulas muitas vezes longe de casa.

    No final da carreira são dos mais bem pagos da Europa muitas vezes para darem meia dúzia de aulas por semana e o resto era trabalho individual. Imaginemos o trabalho que será preparar essas tão poucas aulas. E um sem número de regalias. Uma injustiça face aos mais novos. Antes deste Governo muitos, nesse tempo individual, nunca punham os pés na escola pois ninguém teve coragem de regulamentar a componente não lectiva e o trabalho de estabelecimento de ensino.
    Veja em que escalão estão os professores destacados ad eternum nos sindicatos e talvez se perceba que interesses defendem estes senhores.

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  4. Cara Maria Fernanda:

    Os professores estão mal pagos. Esta afirmação foi proferida por mim, pelos meus padrões e não pelos padrões dos professores europeus ou dos restantes assalariados em Portugal. Já deve ter reparado que no Pão e a Razão não se proclama nem a mediocridade e muito menos a relatividade. OS padrões são de cada um, e cada um deve estabelecer o valor do seu trabalho, na medida em que encontre quem lho queira pagar.

    Referi os professores mal pagos no comentário anterior como um dos pontos porque não seria professor (o outro é a profunda limitação que estes têm até para serrem de facto professores e tudo o que ser professor implica).

    Sou consultor de gestão e dou bastante formação. Formação valiosa, e bem paga diga-se. Também dou formação na area económica e social em alguns projectos em várias escolas, a miudos entre os 14 e os 18, por isso conheço as escolas.

    Não vejo que seja possivel a um professor passar tantas horas ao sabor do vento conforme afirma - e falo do que vejo - mas se os houver, então que sejam postos na rua. Informo também que além das aulas (tempo lectivo) que são bem mais que meia duzia (18 regularmente) e do trabalho individual (q são apenas 6 horas) há também trabalho de escola, normalmente estipulado em horário rígido com clubes, bibliotecas, coordenações (é normalmente nestas horas que os professores acompanham os projectos que ministro) e que completam um horário normal e total de um professor de 35 horas semanais.

    Depois das 35, acrescente as reuniões intercalares, as reuniões de avaliação, a formação obrigatória, as actividades extra-curriculares para as quais são convocados (carnaval, natal, desporto) e as visitas de estudo que iniciam às 7h00 da manhã e acabam à meia noite se necessário e que não os dispensa em nada do trabalho que tenham no dia seguinte e - pior - obriga-os a recuperar as aulas que deveriam ter dado às turmas B, C, D e E no dia em que foram com a turma A a Trás-os-montes, por exemplo.

    Isto é o que vejo. Isto é o que eu jamais faria pelo ordenado que pagam a um professor.

    Quanto aos sindicatos e até à maior parte dos professores, já referi que estou contra a avaliação pelas razões certas. O facto de a maior parte lá estar pelas razões erradas não me força a mudar de posição. Uma decisão ou é racional ou clubística, não pode é ser ambas.

    O raciocínio que vejo as pessoas usarem para defender a avaliação é exactamente o mesmo que eu faço para não a defender. E depois, o que defendo, faz com que os professores não concordem com nada do que digo, apesar de estarem de acordo que se pare esta avaliação.

    A vida é assim, engraçada e sem graça nenhuma. Aliás, em educação e em Portugal a vida é assim há muitos anos. Discute-se os pormenores, negoceiam-se concessões para, no fim, ficar tudo como estava no que é essencial.

    A maior parte das pessoas ainda não entendeu que esta proposta serve para deixar tudo como está no que aos alunos diz respeito. E os alunos, as suas mentes e o seu futuro são o fundamento de toda e qualquer educação.

    De qualquer forma, não me parece que o que afirmou invalide o que escrevi. Eu simplesmente vejo coisas diferentes das que afirmou, mas ainda que as que afirmou se possam passar, não vejo onde é contraria o meu artigo.

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  5. Só mais uma achega: EU digo que os professores são mal pagos. Que os professores se possam queixar de ser mal pagos e dar aulas longe de casa já é outra conversa.

    Se dão aulas longe de casa foi porque a isso se candidataram. Se aceitam trabalhar por "x" (não sei quanto ganham exactamente) então é porque acham que é o que merecem. Pode alguém queixar-se das regras do jogo depois de as ter aceite? Pode, mas não é honesto que o faça.

    Eu não o faço, logo sou consequente. Também não tenho coragem de comparar o salário dos professores com o do sapateiro e dizer que ganham bem. Eu não entrego o futuro dos meus filhos ao sapateiro. É uma questão de saber o que exijimos de um professor. E exijir é o contrário de transigir.

    Para começar, não aceito o termo que referiu de "final de carreira". Uma carreira não tem final. Tem Hierarquia, tem topo. Se eu sou o melhor, quero lá chegar o mais cedo possível. Se alguém é mediocre, porque é que o tempo lhe há-de dar o PRIVILÉGIO de atingir o topo alguma vez?

    A questão da educação relativa aos professores (porque há mais) - a verdadeira questão - não está na avaliação mas no método de contratação. Mas essa ninguém quer discutir.

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  6. O seu problema continua a ser a fé cega na razão. Veja o que um Professor americano diz sobre isso em: http://ovalordasideias.blogspot.com/2009/02/roubini-o-fim-do-laissez-faire-nao-e-o.html

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  7. Caro Carlos.

    É sempre um agradável e aliciante desafio trocar ideias consigo. Principalmente porque sempre que acontece, fico com a sensação de que vivemos com conceitos SEMÂNTICOS e MORAIS completamente diferentes.

    Prova disso é que a mim me parece impossível juntar fé e Razão na mesma frase. Tal como a ideia que tenho de que para o Carlos, a justiça (social ou outra) consiste em tirar a uns para dar a outros.

    Lerei o seu artigo e logo falamos.

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