Espanta-me que nada se diga sobre as causas da crise que presentemente vivemos. Esta é muito provavelmente a maior crise da nossa geração mas as suas causas são claramente relegadas para a imaginação individual. Não estou a considerar as nefastas "tiradas" politico-partidarias que, regra geral, têm um tónico próprio de anuncio comercial em busca de votos e muito pouco de ciência ou racionalidade. Essas, são parte do cenário para esta "produção" artística.
Todos os dias ouvimos sobre as consequências da crise e o sofrimento que estas acarretam, mas sobre as suas causas nada, nem uma palavra. Diria mesmo que, por via da repetição e do apelo ao voyeurismo mais básico, se empola a miséria e o drama que os tempos encerram e se procura criar um clima propício ao saque da riqueza e ao aumento dos poderes do estado, para evitar "mortos" e "feridos". Esta não é a imagem que tenho do Homem e da civilização.
Mas não são os cenários que nos são apresentados com este fim que me aterram. São antes os sinais de aceitação e de comiseração de gente informada e com capacidades intelectuais e que parecem embalados por este "requiem". Gente que lê o Jornal ou do Diário Económico e não a Maria ou a Nova Gente, gente que vê o canal 2 e a SICNoticias e não propriamente as Tardes da Julia, a quem se perdoaria o encanto.
Há indícios não negligênciáveis de passos perigosos que se estão a dar em direcção a um estado policial. À excepção da Justiça, que está nas mãos do estado e não dos cidadãos, todos os segredos parecem susceptiveis de ser tomados pelo estado em nome de um interesse comum. Todos os segredos e todos os recursos, em nome do tal "interesse comum" que se confunde cada vez mais com uma voracidade, antes escondida agora apregoada, em nome de se ter de acorrer a todas as desgraças que hora a hora nos apresentam.
As liberdades individuais, simbolo de progresso e de humanismo, são apenas prosas românticas deixadas na sargeta a pretexto da crise. Uma crise sem causas - ou melhor - cujas causas obscuras não se discutem, não interessam, não parecem relevantes. O Homem busca hoje soluções para problemas, sem antes observar a suas causas. A observação desapareceu do processo científico, da mesma forma que o espírito crítico foi substituido pelos manuais pré-concebidos e aclamados. Parece que está tudo feito e tudo pensado, num quadro de estagnação inevitável, que nega a própria natureza humana.
Os muitos que garantem a sobrevivência junto dos reguladores desse dúbio "interesse comum", optam razoavelmente por dançar ao som dos acordes deste "requiem pelo Homem". Mas nos dias de hoje em que a informação, teses, artigos, factos, arquivos e tudo o mais, estão disponíveis a uma webpage de distância, só existe uma explicação para a indiferença dos racionais: a cultura do imediato.
As mais capazes das mentes, se limitadas ao imediato, tendem a criar no individuo uma ilusória sensação de segurança, tão grande quanto a sua própria capacidade. Julgar-se-ão capazes e astutos o suficiente para sobreviverem às regras do jogo, ao saque, à cedência dos príncipios mais fundamentais.
O seu erro não está na indiferença à desgraça alheia. Essa é a indiferença que dá cumprimento ao dever ético do interesse próprio e da procura da felicidade. É a indiferença à cedência dos principios fundamentais que consubstância o lapso de Razão destes homens. É o silencioso consentimento desta orquestração fúnebre pelos que se lhe julgam imunes, que lhe dá espaço, audiência e fôlego.
Ainda que se afirmem dissonantes adversários desta "trama" - e que o sejam do ponto de vista ético e intelectual - mais não fazem do que a alimentar no decorrer da sua acção pela sobrevivência. As suas capacidades e destrezas não lhes garantem mais do que algum tempo e um lugar mais tardio na lista das vítimas. Sem a penumbra do imediato e à luz da inevitabilidade da Razão, eles também saberiam que permitir um pequeno "pé na porta", a coberto de "excepcionais circunstâncias" (como se lhes referem) é deixar tudo pronto para que alguém a venha, mais tarde, escancarar.
O único caminho racional e ético a fazer é pois o da denúncia e o do não-colaboracionismo. Saibam eles ver, a longo prazo, que a pretexto das desgraças alheias também eles serão desgraçados, pois não há melhor fonte de alimento para os parasitas do que a força do corpo (e da mente) do hospedeiro.
segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009
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