sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

A revolta da Razão

Os governos estão a promover maus comportamentos (irracionais).

E que tal começar a recompensar os que "carregam" a água, em vez dos que só "bebem" a água?

E se todos decidirmos deixar de pagar as nossas hipotecas? Afinal é só um azar (ou risco) moral!



E onde estaria o mundo hoje se, quando Rosevelt decidiu roubar a humanidade, houvesse já internet, blogs, e o acesso à informação de que dispomos hoje?

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

A culpabilidade das vítimas

"Professores utilizam alunos na luta política" era o título sugestivo do comunicado da CONFAP que recebi hoje. Parecia prometedor mas... afinal referia-se apenas à decisão tomada por 143 professores e educadores de Paredes de Coura de cancelar a "quase totalidade das actividades previstas para este ano lectivo que envolvam a comunidade ou que impliquem qualquer deslocação", e à indignada reacção da Associação de Pais do agrupamento.

Os professores de Paredes de Coura causaram tamanha reacção, não pelo seu autruismo quando iniciaram estes projectos, mas sim quando decidiram acabar com a injustiça a que eles próprios se tinham sujeitado. Estes homens e mulheres decidiram terminar com horas de trabalho não reconhecido, com o trabalho extraordinário necessário para compensar o tempo destas actividades, com despesas não reembolsadas, com uma função social que desempenham gratuitamente porque não há meios nas escolas. Estes homens e mulheres decidiram romper com aquilo a que se haviam comprometido nos últimos anos e que consistia em “algo a troco de nada”. Passaram a exigir o seu direito de ver reconhecido (e pago) o trabalho e esforço que desenvolvem e, só por isso, chamaram a atenção sobre si.

Mas ao invés de chamarem a atenção dos justos, provocaram antes a indignação das almas que eles próprios ajudaram a produzir. Estes são os pais que a sociedade do “algo em troca de nada” produz. Uma sociedade que reivindica direitos adquiridos no berço sem se preocupar com quem paga; que proclama a necessidade de obter e ignora a habilidade de criar; que acredita que o consumo é que gera produção ou que a desgraça é a maior virtude e que o sucesso o pior defeito.

Uma sociedade e uns pais que, depois de acarinhados “à borla” e à custa do trabalho de outros, se viram para os (supostos) benfeitores em vez de denunciarem as injustiças, é uma sociedade e são uns pais que não têm futuro. Os seus filhos exigirão ainda mais e estarão dispostos a contribuir ainda menos.

Este tipo de austruísmo instala a injustiça, normaliza o “algo em troca de nada” e transforma o “bem comum” em prejuizos individuais. Promove o direito sem dever, o consumo sem produção, a riqueza sem esforço. Promove uma sociedade canibal que maltrata e enxovalha os autruístas quando estes nada mais têm para dar, porque a dádiva se torna a norma, e a sua falta implica infracção.

Numa sociedade justa, o “bem comum” é – e tem de ser – a soma de todos os bens individuais, um bem comum perfeitamente indentificável e objectivamente quantificável. Uma sociedade justa terá de retribuir e reconheçer os que para ela contribuem e a estes prestará homenagem. O bem individual de cada um será a recompensa pela sua contribuição para a sociedade que necessita do que cada individuo lhe disponibiliza. Essa será a sociedade livre e justa, em que todos beneficiam do trabalho de cada um, e em que ninguém vive para ninguém nem às custas de ninguém. O contrário não só promove a miséria, como a termo transformará os mais capazes em miseráveis, porquanto esse será o código moral pelo qual serão recompensados.

A Razão, a mente e inteligência são ferramentas poderosas que garantem ao Homem a sua sobrevivência. As escolas e os Professores são recursos valiosíssimos de qualquer sociedade. Quando eles próprios se valorizarem dessa forma, e se fizerem recompensar nessa medida, a injustiça deixará de ser possível.

Na injustiça intervêem os “predadores” e as “vítimas”. Os primeiros defendem-na no seu próprio interesse. Os segundos possibilitam-na ao abrigo de um código moral contra natura, que lhes é apregoado pelos primeiros. Eduquem-se as mentes e não haverá vítimas. Acabem-se com as vítimas e não haverá injustiça. Os “predadores” não terão outro remédio senão virar-se uns contra os outros.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Apelo à Educação

Primeiro pensei, depois agi, também escrevi e até falei o que me parecia razoável e essencial nas questões que atravessam a Educação neste momento, e que são apenas uma parte da questão. Hoje vou apenas partilhar uma história que gostaria que chegasse a todos os professores, educadores e formadores.

“Eu... eu lamento estar tão atrasado, patrão, mas... mas eles não abriram o jogo até ao último minuto... só mesmo quando estava prestes a começar... Chamaram-me para uma... uma reunião estratégica... estava lá um homem que era delegado do... do Concelho de Unificação... era um fantoche do director-geral... que por sua vez é um fantoche nas mãos do secretário de estado... O que eles queriam de mim era... eles queriam que eu assinasse uma série de passes... para que alguns dos rufias pudessem entrar... para que pudessem iniciar confrontos lá dentro e cá fora ao mesmo tempo... para parecer que eram mesmo os nossos trabalhadores... eu recusei assinar os passes.”

“Recusaste? Depois de eles terem aberto o jogo?!”

“Mas... com certeza, patrão... acharia que eu alinhava nesse tipo de jogo?”

“Não, rapaz, não. Claro que não, só que...“

“O quê?”

“Arriscaste o pescoço.”

“Mas tinha de ser!... Não os podia deixar destruir a fábrica, podia?... Por quanto tempo mais podia eu continuar a esconder-me? Até que lhe cortassem o pescoço a si, patrão?... E como poderia eu salvar o meu pescoço se fosse à custa do seu?... Percebe, não percebe patrão?”

Ele acenou, percebia. E enquanto o rapaz lhe descrevia a forma como fugiu da reunião, como procurou pelo encarregado para o avisar, como descobriu que os telefones haviam sido cortados ao tentar ligar para sua casa, como correu para o carro para ir ao seu encontro, ele percebeu muito mais. Percebeu que o rapaz era agora um homem inteiro, bem diferente daquele fiscal que lhe havia sido imposto na fábrica por uma alínea de um artigo de entre os milhares de documentos, directivas, regulamentos e leis do Concelho de Unificação e do governo.

“Mas eles devem ter-me seguido e... foi quando dispararam... no parque de estacionamento... e só me lembro de cair... quando abri os olhos... eles tinham-me lançado lá em baixo... no rio”

“No rio?! Lá em baixo?!” disse o patrão, olhando para os 200 metros de ravina que os separavam da margem.

O rapaz acenou e olhou vagamente na direcção da ravina “Sim... lá em baixo mas... mas então comecei a trepar... eu queria... eu tinha... tinha de sobreviver o tempo suficiente para contar a alguém... que lhe contasse a si...” Com esforço, o rapaz endireitou um pouco a cabeça e olhou-o nos olhos com um renovado orgulho, “patrão, é esta a sensação de... de querer muito uma coisa... de querer algo desesperadamente e... fazê-lo?”

“Sim rapaz, é esta a sensação.” Ele sabia que o imberbe fiscal tinha aprendido a admirá-lo e às suas fábricas por, diariamente, ter visto, convivido e conhecido a verdade. Mas ficou surpreso como, em apenas um ano, o fiscal se havia tornado num homem capaz de sacrificar a sua vida por alguém que lhe havia sido apontado como um ganancioso capitalista e por uma fábrica proclamada como um antro de escravidão e exploração. “Mas, rapaz, ainda não acabou. Tens de aguentar até que eu te leve a um médico”

O rapaz abanou a cabeça. “Não... eu sei que acabou... não adianta enganar-me a mim próprio... estou acabado”. Depois, como se recordasse a sua vida antes da fábrica, acrescentou “Que é que importa, patrão?... o homem é apenas matéria... orgânica... química... a morte de um homem não faz... não faz mais diferença que... que a morte de um animal.”

“Sabes muito mais do que isso” disse o patrão.

“Sim... acho que aprendi” sussurrou. “Eu sei... as tretas que nos ensinaram... tudo o que disseram... a vida ou... a morte... que é tudo relativo... que não faz diferença...” Parou e recompôs a cara com um sorriso sofrido. “Mas para mim faz.... e talvez mesmo para os animais também... só que... eles dizem que não há valores só... só hábitos sociais... que o homem não interessa... que a sociedade é mais importante... o bem comum... não há valores absolutos...”

O patrão sorriu de forma tranquilizadora, deixando-o saber que reconhecia o quanto aquele fiscal tinha aprendido e o quanto havia mudado.

Então os olhos do rapaz, agora homem, ganharam uma nova expressão, uma nova serenidade, “eu gostaria tanto de viver... patrão... meu Deus como gostaria... não porque esteja a morrer... mas porque descobri... agora... o que significa viver... engraçado, patrão... sabe quando é que aprendi?... na sala... quando arrisquei o pescoço... quando os mandei a todos à merda... Há... há tantas coisas que gostaria de ter aprendido mais cedo mas... não vale a pena... lamentar... chorar sobre o leite derramado.” Olhou para o peito e antes de fechar os olhos acrescentou “Leite ou... sangue...”

“Ouve rapaz” disse o patrão abanando-o “quero que vivas”. Carregando-o nos braços gritou “aguenta-te António”.

“António?!” Disse o rapaz, ouvindo o patrão pronunciar o seu nome pela primeira vez desde que havia sido enviado para a fábrica há um ano, “já não sou o «comissário»... o «relativo»?” perguntou orgulhoso.

“Não. Já não. Agora és uns perfeito absoluto, e tu sabe-lo”

“Sim, eu sei” disse sem gaguejar “e conheço mais absolutos. Isto é um!” Afirmou, apontando para a ferida no seu peito. “Isto é um absoluto, não é?” E prosseguiu como se as palavras fossem uma anestesia contra a dor “E que os homens não podem viver se... se filhos da puta como... como aqueles do governo... se safam com coisas como... como o que se está a passar aqui hoje... se tudo se transformar numa farsa... em que nada é real... os homens não podem viver assim... isso é um absoluto, não é?”

“É António. Isso é um absoluto” e encostou os lábios na testa do rapaz, como quem beija um filho, com a solenidade de uma despedida.

“Patrão, eu... gosto de si...” e fechou os olhos pela ultima vez.

Ele caminhou e carregou-o nos braços como se essa fosse a forma de prestar uma homenagem, um último tributo, à vida – ao homem – que se extinguiu nos seus braços. Caminhou invadido por uma raiva intensa demais para identificar, uma enorme pressão interior: era o desejo de matar.

O desejo não era dirigido aos rufias anónimos que haviam disparado, nem aos burocratas que haviam contratado esses rufias, mas aos professores daquele rapaz que o haviam entregue, desarmado, à mercê de todas as armas. Era dirigido aos suaves e seguros assassinos das escolas e universidades que, incompetentes para responder às questões da demanda pela Razão, tiram prazer em amputar as jovens mentes que lhes são confiadas.

Algures, pensou ele, estava a mãe daquele rapaz, que tremeu de preocupação ao ver os seus primeiros passos, enquanto o ensinava a caminhar; que mediu cuidadosamente as refeições, enquanto o alimentava; que seguiu à risca as indicações médicas e científicas na sua dieta e higiene, protegendo aquele corpo que ele carregava agora moribundo. Uma mãe que o havia de enviar para ser transformado num neurótico torturado, por homens que lhe ensinaram que ele não tinha mente e que nunca deveria tentar pensar. Tivesse ela recusado alimentação àquela criança, pensou ele, ou tivesse misturado veneno na sua comida, e teria sido bem mais simples e menos fatal.

Ele pensou em todas as espécies que ensinam e treinam os seus jovens na arte da sobrevivência – os gatos que ensinam as crias a caçar, as aves que se esforçam sem reservas para ensinar os pequenos seres a voar – e no entanto o Homem, cujo meio de sobrevivência é a mente, não só falha em ensinar as crianças a pensar, como dedica a educação da criança ao propósito da destruição do seu cérebro, a convencê-las de que o pensamento é fútil e perverso, antes mesmo que elas comecem a pensar.

Da primeira palavra dirigida às crianças até à última, é como uma série de pequenos choques destinados a pararem um motor, a sabotar a energia das suas consciências. “Não faças tantas perguntas!”; “Quem és tu para pensar?”; “É assim porque eu digo!”; “Não discutas, obedece!”; “Não tentes entender, acredita!”; “Não sejas rebelde, adapta-te”; “Não dês nas vistas nem sobressaias, integra-te”; “Não reivindiques, compromete-te”; “O coração é mais importante do que a cabeça”; “Que é que tu sabes? Ouve mas é os teus pais”; “Que é que tu sabes? A sociedade sabe o que é melhor para ti”; “Quem és tu para protestar? Todos os valores são relativos”; “Quem és tu para quereres escapar da bala de um rufia ou da agressão de um burocrata? Isso é apenas uma perda pessoal, o bem comum é mais importante”

Os homens estremeceriam, pensou ele, se vissem uma ave arrancar as penas das asas das suas crias, e depois as encaminhasse para fora do ninho numa luta pela sobrevivência, no entanto é isso que eles fazem às suas crianças.

Armado apenas com frases vazias e sem significado, este rapaz foi lançado na luta pela existência, caminhou inseguro, tacteou na escuridão, através de um breve e condenado esforço, gritou o seu indignado e perplexo protesto, e pereceu na sua primeira tentativa de levantar voo com as suas asas mutiladas.

Mas existiu outrora um tipo diferente de professores, pensou ele, que moldaram os homens que construíram este país; ele pensou que as mães se deveriam ajoelhar e procurar esses homens e mulheres, encontrá-los e suplicar-lhes que regressassem.

Ele passou os portões de entrada na sua fábrica sem dar conta dos guardas que o deixaram entrar, estarrecidos com a expressão que levava na cara e com o fardo que carregava nos braços; ele não parou para ouvir o que diziam, enquanto apontavam para os tumultos à distância; ele prosseguiu a sua lenta e solene marcha em direcção à luz que lhe indicava a porta do edifício da enfermaria.

Ele entrou na sala iluminada, cheia de homens, pensos ensanguentados e o cheiro de anti-sépticos; ele depositou o seu fardo numa marquesa, sem explicar nada a ninguém, e saiu a porta sem olhar para trás.

Ele caminhou na direcção do edifício principal, subiu as escadas que o levavam ao seu gabinete, à sua secretária, àquilo que ainda restava do seu mundo e parou, sem se sentar. Afastou a cadeira como quem afasta um último amigo, num gesto próprio de quem afasta algo que o impede de tomar uma derradeira decisão; ele abriu a gaveta, retirou o revolver e ajoelhou-se no lugar onde ao longo de 20 anos tinha criado, da sua cadeira, da sua mente, da sua capacidade, o maior império industrial que alguma vez existira.

Reuniu toda a sua raiva num último fôlego e gritou bem alto não como uma súplica, mas como uma ordem emitida em nome de todas as mães deste mundo: “VOLTEM! Onde quer que estejam, voltem.”.

Levantou-se num movimento enérgico e, de arma em punho, apressou-se ao pátio para se juntar aos operários decidido a lutar com eles pelo direito de reconstruir o seu mundo, com a mesma determinação de há 20 anos. A diferença para então é que o fazia agora como um selvagem, com a sua arma e não com a sua mente.

Esta história foi inspirada e adaptada, pelo meu punho, de um trecho do romance “Atlas Shrugged” . Ela é dedicada a todos os que de alguma forma lidam com as novas gerações e com a sua formação. A todos rogo para que nunca se esqueçam de que seja qual for o “sistema”, as “leis” ou as “regras”, serão sempre as pessoas e as mentes que servem a educação. Serão sempre as vossas mentes, decisões, atitudes e acções, a definir a natureza daqueles que educam. A todos peço que voltem!

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Requiem pelo Homem

Espanta-me que nada se diga sobre as causas da crise que presentemente vivemos. Esta é muito provavelmente a maior crise da nossa geração mas as suas causas são claramente relegadas para a imaginação individual. Não estou a considerar as nefastas "tiradas" politico-partidarias que, regra geral, têm um tónico próprio de anuncio comercial em busca de votos e muito pouco de ciência ou racionalidade. Essas, são parte do cenário para esta "produção" artística.

Todos os dias ouvimos sobre as consequências da crise e o sofrimento que estas acarretam, mas sobre as suas causas nada, nem uma palavra. Diria mesmo que, por via da repetição e do apelo ao voyeurismo mais básico, se empola a miséria e o drama que os tempos encerram e se procura criar um clima propício ao saque da riqueza e ao aumento dos poderes do estado, para evitar "mortos" e "feridos". Esta não é a imagem que tenho do Homem e da civilização.

Mas não são os cenários que nos são apresentados com este fim que me aterram. São antes os sinais de aceitação e de comiseração de gente informada e com capacidades intelectuais e que parecem embalados por este "requiem". Gente que lê o Jornal ou do Diário Económico e não a Maria ou a Nova Gente, gente que vê o canal 2 e a SICNoticias e não propriamente as Tardes da Julia, a quem se perdoaria o encanto.

Há indícios não negligênciáveis de passos perigosos que se estão a dar em direcção a um estado policial. À excepção da Justiça, que está nas mãos do estado e não dos cidadãos, todos os segredos parecem susceptiveis de ser tomados pelo estado em nome de um interesse comum. Todos os segredos e todos os recursos, em nome do tal "interesse comum" que se confunde cada vez mais com uma voracidade, antes escondida agora apregoada, em nome de se ter de acorrer a todas as desgraças que hora a hora nos apresentam.

As liberdades individuais, simbolo de progresso e de humanismo, são apenas prosas românticas deixadas na sargeta a pretexto da crise. Uma crise sem causas - ou melhor - cujas causas obscuras não se discutem, não interessam, não parecem relevantes. O Homem busca hoje soluções para problemas, sem antes observar a suas causas. A observação desapareceu do processo científico, da mesma forma que o espírito crítico foi substituido pelos manuais pré-concebidos e aclamados. Parece que está tudo feito e tudo pensado, num quadro de estagnação inevitável, que nega a própria natureza humana.

Os muitos que garantem a sobrevivência junto dos reguladores desse dúbio "interesse comum", optam razoavelmente por dançar ao som dos acordes deste "requiem pelo Homem". Mas nos dias de hoje em que a informação, teses, artigos, factos, arquivos e tudo o mais, estão disponíveis a uma webpage de distância, só existe uma explicação para a indiferença dos racionais: a cultura do imediato.

As mais capazes das mentes, se limitadas ao imediato, tendem a criar no individuo uma ilusória sensação de segurança, tão grande quanto a sua própria capacidade. Julgar-se-ão capazes e astutos o suficiente para sobreviverem às regras do jogo, ao saque, à cedência dos príncipios mais fundamentais.

O seu erro não está na indiferença à desgraça alheia. Essa é a indiferença que dá cumprimento ao dever ético do interesse próprio e da procura da felicidade. É a indiferença à cedência dos principios fundamentais que consubstância o lapso de Razão destes homens. É o silencioso consentimento desta orquestração fúnebre pelos que se lhe julgam imunes, que lhe dá espaço, audiência e fôlego.

Ainda que se afirmem dissonantes adversários desta "trama" - e que o sejam do ponto de vista ético e intelectual - mais não fazem do que a alimentar no decorrer da sua acção pela sobrevivência. As suas capacidades e destrezas não lhes garantem mais do que algum tempo e um lugar mais tardio na lista das vítimas. Sem a penumbra do imediato e à luz da inevitabilidade da Razão, eles também saberiam que permitir um pequeno "pé na porta", a coberto de "excepcionais circunstâncias" (como se lhes referem) é deixar tudo pronto para que alguém a venha, mais tarde, escancarar.

O único caminho racional e ético a fazer é pois o da denúncia e o do não-colaboracionismo. Saibam eles ver, a longo prazo, que a pretexto das desgraças alheias também eles serão desgraçados, pois não há melhor fonte de alimento para os parasitas do que a força do corpo (e da mente) do hospedeiro.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Dinheiro fantasma

"o Estado não gastou, nem envolveu, até este momento, qualquer dinheiro dos contribuintes nestas operações". Esta brilhante afirmação pertence a Teixeira dos Santos, e foi proferida na Assembleia da República. O Ministro das Finanças respondia aos senhores doutores excelentíssimos deputados que, mais de três meses (sim três!!!) após o anuncio da nacionalização, descobriram que afinal o BPN não seria tomado pelos militares mas sim através de recurso a euros. Compreensível demora face a tão complicado raciocínio!

Há três meses atrás não houve uma só voz, ou voto, contra a nacionalização. Não ouve ninguém que achasse natural que fossem os accionistas a suportar a falência do banco caso fosse esse um inevitável desfecho. Mas após três meses de longa reflexão eis que a indignação se instala por não haver um accionista que lá tenha posto um cêntimo. Confesso que não vejo por que razão alguém há-de pôr o que quer que seja em algo que já não possui, e a quem nem sequer foi dada qualquer hipótese continuar a possuir. É algo que me escapa. Se fôr um qualquer novo conceito de propriedade diferida no tempo só espero que a "coisa" não pegue, ou ainda vamos todos ter de pagar impostos, seguros, inspecções ou reparações de carros ou quaisquer outros bens que tenhamos vendido a outrém ou ainda pior, como neste caso, de quaisquer bens que nos tenham sido penhorados, executados ou expropriados.

O facto é que a nacionalização do BPN foi um favor aos accionistas que já não acreditavam no banco e uma expropriação aos que ainda tinham vontande de lutar e confiança nas capacidades da empresa que detinham. Desconfio que pelo meio se aproveitou para que o poder político tomasse as rédias do processo e limitar qualquer descoberta mais embaraçosa relativa a negócios do grupo SLN/BPN com o estado ou financiamentos partidários. Talvez por isso há três meses ninguém se tenha oposto ao assalto mas, claro está, este é apenas um desabafo atribuível a um terrível especulador sem escrúpulos culpado pela crise que vivemos.

Mas a lentidão de raciocínio é, ao que parece, uma característica natural dos senhores doutores excelentíssimos. Quando o senhor doutor excelentíssimo primeiro-ministro anunciou o aumento de capital da CGD (mil milhões de euros) ninguém achou estranho que de repente se inventasse tanto dinheiro. Já em finais de 2007 um outro aumento de capital (150 milhões) tinha sido necessário para manter os rácios de solvabilidade da CGD. Isto para não referir um outro de 800 milhões em 2004, necessário para cumprimento de novas normas contabilisticas em que certas participações e activos deixaram de poder ser considerados como tal.

A lógica prevalecente em S. Bento parece apenas reclamar como necessário saber para onde vai o dinheiro, sem nunca se preocupar com a sua origem. Certo está que é uma lógica natural em saqueadores que nada sabem sobre as origens do dinheiro pois nada produzem, dedicando-se apenas ao saque - nada de novo. Mas seria razoável esperar uma maior preocupação com as aparências do que aquela que efectivamente se verifica. Esta é a novidade que parece indicar que os senhores doutores excelentíssimos já consideram seguro sacar apenas a cobro do código moral que promovem e disseminam há várias décadas: "o Estado tudo pode e tudo faz, em nome do bem comum" - quão nobre e religioso pensamento!

É do conhecimento geral que os euros são emitidos pelo Banco Central Europeu (BCE) e qualquer razoável cidadão sabe que são pagos, seja através da inflação ou da dívida pública. Igualmente se sabe que os impostos também financiam o estado e que esses são riqueza subtraida a quem a produz. O que se viu em S. Bento foi que 230 senhoras doutoras excelentíssimas mentes não quiseram descodificar a afirmação de Teixeira dos Santos e o que ela encerra. São 230 senhoras doutoras excelentíssimas almas que se regem pelo mesmíssimo código moral.

Afinal que dinheiro terá o estado que não seja dos contribuintes? Qual será o património do estado que não pertença aos contribuintes? Afinal o que é que os senhores doutores excelentíssimos acham que é o estado? De quem é o estado? Quem, que não os contribuintes, lhe entregará património, em nome de quê e para que fim? Sabemos que os senhores doutores excelentíssimos não possuem grande rapidez de raciocínio mas nós, os especuladores, temos sido muito pacientes.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

A Massa Falida

O que faz um administrador de massa falida (da Quimonda) nos gabinetes do governo português?

A resposta a esta pergunta é, obviamente, especulativa. O que nos torna, também obviamente, especuladores. Esses tão perigosos adeptos da liberdade e da Razão que - na boca dos profissionais da "coisa comum" - são os responsáveis pela desgraça e pela crise. Então especulemos:

Antes de mais temos de saber o que é um administrador de "massa falida" e o que é isso de "massa" e "falida". Ora esta "massa" não se refere a dinheiro (pois isso é que faltou) mas sim àquele jargão metafísico que define a quantidade de matéria de um corpo ou objecto. Uma massa falida é a quantidade de valores (objectos, activos, ou tudo o que se venda) que resta a uma empresa depois de esta ser considerada inviável e ter aberto um processo de falência.

Qual é então a função de um administrador de massa falida? Ele terá de tentar transformar a massa metafísica naquela massa que todos precisamos e gostamos de receber ao fim do mês. Terá de vender tudo ao melhor preço possível, de forma a que os credores da Quimonda possam ser reembolsados do dinheiro com que ficaram a "arder".

Depois de decretada a falência a "massa falida" é administrada judicialmente com o intuito de se poder angariar o máximo de dinheiro possível para pagar as dívidas. A Quimonda deixa pura e simplesmente de existir enquanto "player" de mercado.

Neste contexto é facil entender o que levará o senhor administrador ao gabinete do senhor ministro. É também mais uma falência que para lá o arrasta: a nossa falência. Mais um beneficiozinho aqui, mais uns perdõezitos ali, mais umas facilidadezitas acoli, e "abracadabra" que a fábrica de Vila do Conde fica misteriosamente apetecível para um qualquer investidor. Sem dívidas, sem história, sem responsabilidade... sem moral.

Ganha o administrador da massa, ganham os accionistas da Quimonda, ganham os credores da Quimonda e ganha o governo mais umas horitas de televisão a arrogar-se de ter conseguido baixar as taxas de juro do BCE - Ups, perdão - a arrogar-se de ter conseguido que não fossem despedidas 1500 pessoas, mas só 500. Um grande esforço pelo qual deveremos pagar com mais uns votos para ver quem é que vai controlar as nossas vidas nos próximos 4 anos.

Os outros mil terão emprego por mais algum tempo, até se tornar obvio que o investimento teve contornos não produtivos e não competitivos, pois serviu apenas para tirar partido dos beneficiozitos temporários. Logo logo, ao abrigo das dificuldades, acontecerá o mesmo que nas minas alentejanas levou 6 meses a acontecer. Fecha e lá vem outro qualquer figurante fazer o frete ao governo. Um daqueles investidores que só o fazem a coberto do subsidio e do beneficio e que não sabem o que são empresas competitivas ou investimentos rentáveis sem patrocínio.

A questão empresarial da Quimonda já se arrasta há vários anos e é a história de uma empresa que compete com uma feroz concorrência na área dos "chips" para informática. Já estava condenada desde há algum tempo e tudo o que os governos (o alemão em primeiro plano) fizeram foi adiar o problema e desperdiçar os recursos dos contribuintes. Uma "borrasca" que agora rebentou. É o que invariavelmente acontece quando se tenta contraiar uma força da natureza: a Razão.