Em muitos anos de convívio com a vida política tenho a presunção de acreditar que a ideia de mudança parece ser, de facto e pela primeira vez, uma IDEIA.
"Chegou ao fim um certo tipo de governação", disse o novo Primeiro-Ministro. E poderia prosseguido a dizer que um novo ciclo se iniciaria, que as coisas iam ser diferentes, que iriam mudar ou que a partir de agora se iniciava um novo ciclo político com outra atitude. E poderia ter dito umas quantas outras coisas a que nos habituámos a escutar nestas ocasiões e que consagrariam uma mudança de forma com a manutenção dos conteúdos. Mas não disse e ainda bem que o não fez.
Antes prosseguiu afirmando que chegou ao fim "um certo entendimento da relação entre o Estado e a Sociedade." Esta esclarecida afirmação anuncia que uma ideia, um conteúdo - e não meramente uma forma - se esgotou.
A afirmação de mudança que deixámos que se enraizasse na sociedade ocidental, principalmente (mas não só) no que diz respeito a alternâncias governativas, tornou-se num desejo de que as coisas melhorassem sem que de facto estivéssemos disponíveis enquanto sociedade para mudar verdadeiramente as coisas. Assim, por longos anos as sociedades ocidentais se foram contentando em mudar de interlocutores, de rótulos, de bandeiras ou de partidos políticos sem que quisessem de facto mudar a sua visão da vida.
Desta vez pode ser diferente. Um pensamento, uma ideia e uma estrutura sucumbiram ao teste da realidade. Uma realidade tornada mais evidente ao olho comum pela crise e que nos torna mais conscientes da verdadeira dimensão das mudanças necessárias. Mudar o interlocutado e não apenas o interlocutor; mudar a estrutura e não apenas a conjuntura; mudar o conteúdo e não apenas a forma. Disse, esse novo Primeiro-Ministro, que "A crise que hoje atravessamos mostrou o esgotamento dos modos antigos". "Antigos" e não "anteriores".
Não se fecha um ciclo de seis anos, nem de dez, nem tão pouco de vinte ou trinta. Muito mais do que os modos anteriores - ou do(s) governo(s) anterior(es) - são os "modos antigos", usados para implementar ideias antigas, falhadas, e sem sustentação real e moral possível, que urge eliminar. Digo eliminar e não alterar, pois uma alteração de consciências apenas pode ser operada por cada um de nós. Não cabe a nenhum governo operar nem conduzir essa alteração. Cabe-lhe, isso sim, abrir caminho e destruir as barreiras que se foram criando ao longo de muitas décadas sob o eufemismo de "protecções". É necessário "formatar o disco" para que cada indivíduo possa perceber a mudança que tem de operar em si mesmo. Só em campo aberto, com jogo limpo, sem interferências ou favorecimentos artificiais é que cada um de nós poderá ajuizar da mudança, mudar livremente e colher consequentemente o produto desse processo individual. Tem de ser este o novo relacionamento entre o Estado e a Sociedade.
Gostei. Deu-me alento. Em muitos anos de convívio com a vida política tenho a presunção de acreditar que a ideia de mudança parece ser, de facto e pela primeira vez, uma IDEIA.
É preciso no entanto evitar o maior obstáculo que se nos depara neste caminho: não deixar que uma IDEIA se transforme , como nos "tempos antigos", em idealismo. Para Aristóteles as ideias provêm duma experiência sensorial entre o indivíduo e a realidade. Uma ideia apenas pode ser formada pela interpretação da mente do indivíduo dos fenómenos que observa e verifica. Uma ideia deve constituir uma assimilação do saber e nunca a sua projecção. Não há duas mentes iguais, logo não pode haver ideias universais. Este princípio levar-nos-á ao REALISMO, em oposição ao idealismo platónico. A filosofia política é, neste contexto, essencial.
Precisamos de esclarecer muitas almas (como as 200 mil que hoje se manifestavam frente ao parlamento da Grécia) que só nos emprestam dinheiro se explicarmos como vamos pagar. Que ou arranjamos forma de pagar o que já devemos e o que ainda vamos pedir, ou ninguém nos empresta coisa nenhuma. Que se não pagarmos o que devemos, ou se não cumprirmos o que acordámos, ninguém nos empresta coisa alguma. Que só vale a pena chantagear um credor se formos auto suficientes para o dispensar. Que cada um de nós tem uma decisão pessoal e intransmissível a tomar: ser parte da solução, ou ser parte do problema; ser elemento criador, ou rufia destruidor; ser Homem ou simplesmente não O ser.