sábado, 4 de julho de 2009

Predadores ambientais

Hoje, no encerramento do forum novas fronteiras, José Socrates fez uma vez mais a apologia do omni-estado, afirmando que não se pode deixar ao mercado - ou seja às pessoas - as decisões de estratégia e planeamento das suas vidas e que Portugal precisa do estado e dessa estratégia que só o estado está em condições de dar.

Foi Sócrates mas poderia ter sido qualquer outro, de forma mais ou menos explícita e entusiasta. Há decadas, mesmo séculos, que chavões como justiça social, igualdade e protecção são apregoados pelo quadro socializante duma forma geral. Uns tendem para o social, outros para o empresarial mas, nas palavras exactas de Sócrates: "a intervenção protectora do estado" é defendida e apregoada por todos como aplicável desde aos mais carenciados, para uns, ou à familia para outros ou mesmo às PMEs para os que sobram. Exemplos não faltam para todos os gostos e correntes. Quem afirme o contrário é porque persiste em cerrar os olhos ao óbvio.

Mas o que me chamou à atenção hoje foram as palavras escritas por cima de Sócrates: "Alterações climáticas, desafio e oportunidade". A cada encontro que organizam, os predadores ganham cada vez mais o hábito de associar a economia ao ambiente. Esta associação, se feita de forma séria, nada tem de artificial. Mas nos moldes em que a fauna predatória a promove, é como se uma declaração de guerra fosse proferida ao som do Hino da Alegria e com uma foto de Gandhi em fundo.

A tal acção protectora apregoada, hoje por Sócrates mas ontem e amanhã por outro qualquer saqueador, é um dos factores que mais contribuem para os problemas que hoje nos afectam. É ela que mais ameaça a civilização e a sustentabilidade do planeta. Foram os recursos necessários para a criação do estado social que levaram à fundação do actual sistema financeiro, que consome tudo o que há através do saque aos que produzem e ainda o que não há através da emissão de dívida. Basta considerar o mercado da dívida (substâncialmente da dívida pública) como o maior mercado global e o verdadeiro "core" de todo o sistema, devidamente articulado e manipulado pela bicefalia governos/bancos centrais.

Não há melhor forma de equilibrar o consumo de qualquer recurso, natural ou outro, do que fazer reflectir no preço o seu real valor de mercado. Mas tal verdade não é nem será nunca compatível com a noção de bens ou serviços essenciais a que todos têm direito, inclusivé para os obter à custa dos outros.

Vejamos por exemplo a questão da água. Sem entrar em polémicas ambientais, aceitemos como principio a questão da escassez de água. Alguém pode afirmar racionalmente que o preço da água à boca das nossas torneiras reflecte minimamente o seu valor? E mesmo concedendo a considerar a água como um recurso natural "livre", alguém pode afirmar que o preço da mesma reflecte minimamente os custos com o tratamento, armazenamento e distribuição? E porque é que em vez de deixarmos a mão invisivel actuar e manter um equilibrio naturalmente racional, optamos por ter duas "manápulas" a saquear recursos: uma para sustentar um preço artificialmente baixo, e outra para promover campanhas para a poupança e o consumo moderado de água a que ninguém passa cartão?

Tal principio aplica-se igualmente ao já conhecido e falado défice tarifário da energia eléctrica. O erro é o mesmo e as bases igualmente idênticas. Mesmo defendendo que a água é um bem essencial à vida, qualquer pessoa deveria ser livre de construir um depósito para captar a água das chuvas ou simplesmente fazer a recolha directamente de um rio e tratá-la, sem que tivesse de pagar esse serviço a ninguém. Esse deveria ser um serviço de contratação livre e facultativa, regulado pelas leis de mercado. O avanço civilizacional pode ter proporcionado que hoje a água nos chegue a casa de forma muito confortável. Mas será mesmo um avanço civilizacional que eu tenha água confortávelmente e a baixo custo às expensas do trabalho, do esforço e da vida alheia?

Para o saqueador se apoderar do espólio do produtor, é conveniente uma certa estrutura social que lhe forneça o argumento da necessidade do pedinte. O argumento de que todos temos direitos naturais que vão para além da nossa vida, dando-nos direito a um pedaço da vida dos outros, é tudo quanto se torna necessário a tal estrutura. Esse é o argumento base do estado social que proliferou em todo o sec. XX e que enfrenta agora o seu "canto de cisne".

Sem comentários:

Enviar um comentário